Tendring Enterprise Studio School

Na nossa Expedição conhecemos uma Studio School, foi a TESS (Tendring Enterprise Studio School), na pequena cidade de Clacton-on-Sea. A região, além de rural, é uma das mais pobres da Inglaterra. Muitas casa ali não tem coisas que são consideradas básicas para o padrão de vida inglês, como calefação, banda larga, e sistema de gás encanado. Muitas famílias vivem há gerações apenas de benefícios do governo. E é nesse contexto sócio-econômico pouco favorável que a escola tenta criar oportunidades:

Esse é uma região muito pobre, um dos distritos daqui é o distrito mais pobre da Inglaterra.Você tem muitas pessoas aqui que são da segunda ou terceira geração desempregada. E esse é o foco do nosso empreendimento: ensinar habilidades para que nossos estudantes consigam realmente criar seus próprios negócios. Em uma região de desemprego, eles não vão sair e encontrar empregos. Então é importante ter alguém que ao invés de falar “vá tentar um emprego com fulano” fale “crie sua empresa, vá lá e crie o seu emprego”.

– Ian Pearson, diretor da TESS

Cozinha-escola da Tendring Enterprise Studio School

Aprendizagem baseada em projeto (project-based learning, em inglês) é o que norteia a atuação da escola que em Clacton funciona há 2 anos. A faixa etária dos estudantes é de 11 a 16 anos, o que equivale ao ensino secundário no Reino Unido. Ao todo são trinta e oito Studio Schools na Inglaterra, todas elas pequenas, comportando no máximo 300 estudantes. As turmas também são pequenas, nunca passando de 15 estudantes. Essas dimensões reduzidas fazem parte da proposta da escola: grupos menores possibilitam um ambiente onde todos – estudantes e professores, de todas as turmas – se conhecem pelo nome, onde todos se conhecem bem. Para os professores existe ainda outra vantagem importante: com turmas menores é mais fácil conhecer a fundo as competências a habilidades de cada aluno, é mais fácil acompanhar as experiências e o desempenho de cada aluno. Finalmente, se conhecendo melhor, surgem oportunidades mais coerentes e mais consistentes para criar projetos reais, projetos que atendam aos interesses da comunidade local, projetos que sejam interessantes para os estudantes e, por fim, projetos que deem suporte ao currículo escolar. Esses projetos configuram a base conceitual da escola e podem ser propostos por professores, por outros funcionários e, claro, diretamente por estudantes – mas, como destaca Ian Pearson, diretor da TESS que atenciosamente nos apresentou toda a escola, não é só propor: os estudantes precisam botar a mão na massa, caso contrário, os projetos não acontecem.

Infra-estrutura

A escola funciona em um prédio construído recentemente, mas que já foi reformado para abrigar a iniciativa. Com essa reforma o local ganhou um visual e uma infraestrutura de empresas modernas, tecnológicas:

 Como estamos fazendo aprendizagem baseada em projeto, queríamos salas que acomodassem aprendizagem baseada em projetos. Então elas não podiam parecer salas de aula. Logo não contratamos um arquiteto especializado em escolas, contratamos um arquiteto especializado em boates. Queríamos algo diferente… o que foi pedido foram espaços criativos, espaços inspiradores, coisas como os escritórios do Google, da Apple, da Pixar, espaços realmente criativos.

– Ian Pearson, diretor da TESS

As salas realmente são bem “descoladas”, como vocês podem ver nas fotos. A parte tecnológica não deixa a desejar: computadores, roteadores e servidores da Apple, além de muitos iPads, estão por todos os lados, à disposição de estudantes e professores. Toda sala de aula é equipada com uma TV gigante e uma Apple TV, assim estudantes e professores podem espelhar as telas de seus computadores e gadgets para compartilhar com a turma o que estiver fazendo. Além disso, a escola ainda conta com oficina mecânica, marcenaria, impressora 3D, máquina de corte a laser e até uma cozinha industrial. Tudo para equipar estudantes e projetos. A aparência é mesmo de uma pequena empresa: salas pequenas e bem equipadas, sem aquela galera e aquele buxixo característicos de escolas de ensino fundamental e médio.

Sempre abertos a novos projetos

Mas – na prática – como surgem esses projetos? O Ian nos contou uma história qua estava acontecendo naqueles dias: uma aluna havia perdido seu irmão menor, vítima da síndrome de morte súbita infantil. Ela havia expressado através de um tuíte, sua vontade de fazer um evento de caridade com relação a essa síndrome e, claro, pensando em homenagear o irmão. No entanto, dizia ela no tuíte, ela não sabia muito bem por onde começar. Prontamente Ian respondeu, pelo Twitter mesmo: “é claro que você pode fazer esse evento, pois esse é o tipo de coisa que fazemos aqui na TESS”. No dia seguinte eles conversaram, formaram um grupo e começaram a se mobilizar para que a aluna tivesse o suporte e adquirisse as habilidades necessárias para fazer esse evento acontecer. Isso tudo aconteceu na semana que antecedeu nossa visita.

Marcenaria e “herb boxes”

Antes de voltarmos aos projetos, vale destacar que tanto estudantes quanto professores tem contas no Twitter e as usam para se manter em contato no dia a dia. Não é obrigatório, mas muitos usam. Isso está alinhado com a filosofia da escola: todos são próximos e acessíveis, qualquer aluno pode falar (ou tuitar) direto com o diretor, com os professores, bem como com os colegas. O contato constante ajuda a serem próximos, a saber como vão os colegas, os professores etc.

Mas enfim, esse evento de caridade que viria acontecer um tempo depois é só mais um exemplo de como os projetos surgem na TESS e acabem envolvendo a comunidade ao seu redor. A Nadine McFadden, vice diretora, nos contou que o primeiro projeto que realmente empoderou estudantes na comunidade começou quase que por acaso. Uma professora de matemática resolveu que ao invés de ensinar conceitos básicos de geometria (retas, ângulos, área, volume etc.) na sala de aula tradicional, iriam todos para a marcenaria construir caixas de madeira para plantar ervas (como a da foto). Perguntas simples como “quantas caixas conseguimos construir a partir dessa tábua?” estimulavam os estudantes a pensar na geometria, a resolver problemas que eram tangíveis em suas bancadas de marcenaria. Esses vasos viraram, de fato, produtos bem acabados, bonitos. Os funcionários da escola perguntaram se tinha algum a venda; não, não tinha. Então o projeto foi repensado. Eles passaram a produzir mais e a vender esses vasos não só internamente, mas também nas feiras locais. Com a experiência das feiras locais, os clientes começaram a pediam vasos de diferentes tamanhos, casinhas de passarinhos e outros produtos. Hoje a produção desse projeto é vendida em 5 feiras diferentes, e eles aumentaram a gama de produtos… E tudo começou como um simples projeto que visava dar base ao currículo de matemática.

O dinheiro arrecadado em projetos como esse vai para a formatura das turmas, o que gera ainda outro impacto na comunidade: como muitos são de famílias que sofrem com as condições sócio-econômicas da região, muitos não teriam condições financeira de realizar o sonho de uma formatura pomposa (como é tradição não Inglaterra).

Na área de matemática, vimos alguns projetos mais simples que o das caixas de ervas: em certa classe os estudantes tem que fazer algo físico para marcar o que aprenderam durante certo período, transformando o aprendizado (teoricamente abstrato) em algo tangível. Vimos ainda uma aula de matemática funcional, matemática para a vida real, como explicou a professora: alguns garotos trabalhavam matemática aplicando-a a esportes olímpicos, e algumas garotas trabalhavam com cronogramas e gerenciamento financeiro que daria suporte a orientação vocacional que recebiam da escola. Elas se preparavam para ser cabeleireiras e tocar negócios na área de beleza, então a matemática teria que ajudá-las nessa empreitada.

Projetos e a comunidade

Existem outros projetos grandes como o das caixas de ervas. Um deles acontece com apoio da BT, maior empresa de telecomunicação do Reino Unido. Ele consiste em encontros onde os estudantes da escola ensinam o bê-a-bá de tecnologia para pessoas idosas da comunidade, coisas simples, como uso básico da internet, como utilizar um iPad, etc. O evento de inclusão digital é acompanhado de chás, biscoitos e bolos feitos pelos próprios estudantes.

A área de alimentação tem ainda mais alguns projetos: o Fresh and Fruity, por exemplo, tem como foco promover uma alimentação mais saudáveis nos lares da região. Os estudantes, sem financiamento algum, fizeram um estudo de campo para entender como eram os hábitos alimentares e as necessidades das famílias da região. A partir de então organizam caixas de frutas e legumes, tudo produzidos localmente, e as entregam nas residências que aderiram ao programa. O foco da escola é criar situações de contato com a comunidade local, com o mundo real. Para esse projeto eles não contavam com um veículo para fazer as entregas, mas um professor disponibilizou o seu próprio carro, de uso pessoal, para que o projeto fosse implementado. Por enquanto o foco do projeto não é ter lucro, mas apenas se manter. Eles consideram essa iniciativa importante pelo potencial de educação (ela acompanha certos elementos do currículo escolar e dá uma experiência profissional real), saúde (ela potencializa hábitos mais saudáveis na região) e oportunidades (emprega mão de obra local). A médio prazo a escola espera atrair algum investidor para que o projeto possa crescer.

Fresh and Fruity: um dos projetos de economia local da Tendring Enterprise Studio School

Nas aulas que acontecem na cozinha industrial da TESS são preparados alimentos que são, mais tarde, servidos nas feiras e em restaurantes da região. “A comida que eles fazem aqui”, ressalta Ian, “é para ser servida para o público em um restaurante de verdade, então ela tem que ser de alta qualidade, ela tem que ser boa”. Com isso o diretor defende que as atividades da escola estão diretamente voltadas a um mundo real, tangível. Ele explica que os projetos não precisam necessariamente vir dos estudantes, mas serem tocados por eles. Assim os estudantes conseguem adquirir habilidades que normalmente não são se aprende em escolas tradicionais: eles tem alguma experiência profissional, mas com a segurança do ambiente escolar; eles não só saem capacitados a procura de emprego, mas aptos a criar as próprias oportunidades. Isso acontece primeiro no ambiente da escola e, depois, no mundo real. Eles aprendem sobre como empreender, como se qualificar para tocar a vida quando saírem de lá – e essas qualidades os tornam mais autônomos, mesmo nas condições sócio-econômicas da região. Ainda, Ian explica, habilidades que não ficam tão em evidência podem ser desenvolvidas em um ambiente com a da TESS: auto-estima, confiança para se dirigir a um adulto, pró-atividade, saber o que quer fazer – não por sonho, mas por experiência própria. Essa é grande vantagem de uma Studio School:

Normalmente no Reino Unido as crianças fazem [na escola] coisas que não são reais. Então, em uma aula de computação você vai fazer um cartaz para um parque de diversões imaginário. Aqui eles estão produzindo um poster para cada um dos eventos que eles mesmo estão organizando, eventos que precisam dar algum dinheiro. Então nós tentamos fazer projetos que tenham conexões reais com o mundo do trabalho, que envolva adultos, e, idealmente, que sejam financiados por outras pessoas. Os estudantes tem que fazer algo de verdade, com prazo, algo que realmente importe.

Ian Pearson, diretor da TESS

Empreender: uma habilidade para o mundo real

O “por a mão na massa” é importante não somente para ilustrar tópicos do currículos, mas para ajudar no desenvolvimento dos seres humanos que ali estão se preparando para uma vida toda. O “aprender fazendo” não se refere apenas à matemática, às ciências. Se refere a aprender sobre si mesmo, sobre os próprios interesses e habilidades. E testar, acertar e errar faz parte do processo. Nadine diz que em geral “nós esperamos que os jovens tomem uma decisão sobre o que fazer [profissionalmente], mas eles não tem conhecimento, não tem experiência sobre essas coisas”. Portanto o foco da escola é proporcionar, além dos conteúdos curriculares, essa experiência, esse (auto)conhecimento. Testar algo em um projeto e não dar certo, ou não gostar da experiência, é parte do processo de se encontrar como ser humano.

Infográfico da Studio School

Para dar suporte a essa estrutura, a Nadine nos contou que é importante que a escola conte com pessoas de diversas especialidades, todas trabalhando juntas nos projetos. Por exemplo, eles contratam alguns professores especializados em ensino primário pois eles tem mais conhecimento e mais ferramentas para tratar com pequenos grupos, para criar a sensação de uma grande família dentro da escola. Outro exemplo são especialistas da indústria e do comércio: na escola eles trabalham na capacitação dos estudantes ao longo dos projetos (e, fora da escola, muitos desses especialistas trabalham na indústria e no comércio da região). Por fim, Nadine diz que é um desafio ser professor na TESS: já que os projetos podem mudar, e já que novos projetos podem surgir, você nunca sabe como vai ser a aula de amanhã. Ainda, estudantes que aprendem desde cedo a botar a mão na massa tornam a vida dos professores mais desafiadora e imprevisível: os esses estudantes se tornam mais pró-ativos, questionam mais e se sentem mais seguros para discordar, para debater e dar seus próprios pontos de vista – Nadine confessa adorar esse ambiente, encarando de forma super positiva cada um desses desafios.

Autonônia e autoridade

Passamos pouco mais de uma manhã lá na TESS. Chegamos cedo, conhecemos a escola, conversamos muito com o Ian e com a Nadine, e tivemos conversas mais pontuais com outros professores e com alguns estudantes. No final ainda nos serviram um almoço preparado pelos próprios jovens que conhecemos ao visitarmos a cozinha industrial. A infra-estrutura impressiona (e impressiona mais ainda quando levamos em consideração as condições sócio-econômicas da região). Tudo foi construído com verba pública e o acesso a escola se dá da mesma forma que o acesso a outras escolas públicas da região – ela não é privada, não é mais cara, mesmo com tudo o que oferece como diferencial.

A aptidão para por a mão na massa também impressiona. O quão próximo estudantes, professores e até mesmo os diretores também impressionou. Mas não pudemos deixar de reparar que essa proximidade por vezes trouxe à tona uma tensão entre empoderamento e autoridade: como todos se conhecem muito bem, não foi raro ouvir o Ian perguntando “Fulano, não era para você estar na sala X?” ou “Beltrana, como está isso, isso e aquilo?”. Vimos algumas dicussões entre estudantes e professores, até alguns casos de rebeldia adolescente, com xingamentos aparentemente gratuitos ao diretor. Não tivemos como apurar cada caso, mas parece que a liberdade para criar, concedida e estimulada dentro da escola, junto com o empoderamento do empreendedorismo tem algum efeito colateral. Cria-se uma tensão, um espaço a ser negociado, entre a autonomia dos alunos e a autoridade dos professores. De qualquer forma, a toda pergunta que o diretor fazia enquanto andávamos pelos corredores, os estudantes respondiam, sem fugir ao tema, sem deixar de expor seus próprios argumentos e sem fugir ao debate. Conversavam, estudantes e professores, como gente grande.

Nós, os alunos brilhantes que fizeram nosso almoço, e o Ian